Rodrigo Abrantes da Silva’s Updates

Como a arquitetura da Web pode ajudar no desenvolvimento da Educação brasileira?

O Brasil conheceu no último dia 14/8 os indicadores de desempenho de seus estudantes no Ideb 2023 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O Ensino Fundamental obteve 5 pontos (contra 5,5 da meta estabelecida para o ano) e, o Ensino Médio, 4,3 (contra a meta de 5,2). A referência que se busca é chegar ao índice 6, padrão de desempenho dos países desenvolvidos, conforme o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (Pisa/OCDE).

Comparativamente ao ano de 2019, o Ideb 2023 evoluiu em alguns quesitos (taxa de aprovação), mas retrocedeu em outros (como nas notas de aprovação e no retrocesso de demais indicadores nos estados mais populosos do País: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais). Ou seja, há muito a ser feito pela Educação brasileira, principalmente se olharmos, além dos números, para a desigualdade das condições estruturais das escolas e das famílias das crianças, jovens e dos adolescentes.

Por outro lado, temos observado que computadores, celulares e tablets estão chegando cada vez mais aos locais desprovidos de recursos educacionais básicos, como bibliotecas, centros culturais e até mesmo escolas. Pesquisa realizada em 2023 pelo Cetic (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) revela que 84% dos domicílios possuem hoje acesso à internet. Isto vem permitindo que os conteúdos atualizados na internet fiquem prontamente disponíveis a todos, com facilidade de tradução e infinitas possibilidades de intercâmbio das informações. Portanto, em um cenário educacional desafiador e preocupante, a arquitetura da Web pode se tornar um meio de ressignificação das práticas de ensino-aprendizagem no País, ampliando as oportunidades aos estudantes.

Esta é uma perspectiva que trabalhei em minha pesquisa de doutorado desenvolvida junto da USP e que defendi este ano (a tese está disponível em https://bit.ly/3AzMjTw). Através de uma parceria entre o Departamento de Letras Modernas da USP e a Faculdade de Educação da Universidade de Illinois, testamos uma plataforma, a CGScholar, desenvolvida pelos pesquisadores Bill Cope e Mary Kalantzis, que aproveita as funcionalidades da Web já de pleno domínio dos usuários (professores e alunos) e propicia:

  • Novas práticas na relação entre professores e alunos;
  • O desenvolvimento e a publicação de diferentes expressões de sentido (multimodal) pelos alunos;
  • O upload e o compartilhamento com a comunidade de materiais diversificados e relacionados ao repertório de referências socioculturais de cada integrante do grupo; e,
  • O desenvolvimento do pensamento crítico como pano de fundo para que cada um vivencie a sua aprendizagem conectada à sua experiência de vida.

Em nossa experiência com a CGScholar, observamos que as tecnologias digitais permitem criar ecossistemas de aprendizagem que abrem vias para a participação de todos e amplia os caminhos da inclusão. Mas, para que isso possa acontecer, é preciso dispor de uma pedagogia apropriada, que trabalhe com as particularidades socioculturais e consiga tornar os alunos participantes efetivos dos sentidos que criam e recriam o mundo da forma como os humanos o habitam.

Dentre as práticas pedagógicas proporcionadas por esta plataforma baseada na Web, destaco a revisão entre pares (do professor em relação aos alunos, mas também de uns em relação aos outros), a prática recorrente do feedback, um conceito cibernético que dá abertura à reflexão e expansão crítica, além de novas formas de avaliação, incluindo o uso de ferramentas de Inteligência Artificial que assistem os alunos e, simultaneamente, abrem caminho para a avaliação processual, de uma forma e abrangência que seria inviável para um humano. Este é um modelo que dá conta de avaliar todo o processo de aprendizagem e não apenas o desempenho final.

A revisão por pares confere agência aos alunos

Uma das experiências mais interessantes que tive em minha jornada de pesquisa foi a de ter trabalhado com um modelo pedagógico de revisão entre pares mediada por computador. Este modelo é particularmente disruptivo em relação ao ensino didático baseado em instrução direta, pois ele confere agência aos alunos, que se tornam capazes de gerir sua própria aprendizagem, com pouca necessidade de intervenção direta do professor. Isso não significa curso sem professores, mas que os professores ganham tempo para poder se dedicar a tarefas mais complexas, como gerir o ambiente socioemocional do curso, oferecer orientação diferenciada e criar estratégias de apoio à aprendizagem.

Destaco que a revisão por pares se alinha à comunicação horizontal favorecida pela Web e apresenta diversas vantagens pedagógicas. A literatura da área documenta ganhos de aprendizagem na sua aplicação em contextos diversos. Em minha pesquisa, observamos que a prática deu acesso à experiência de aprendizagem do outro, gerando empatia, ao mesmo tempo em que ampliou entre os alunos a percepção de si e a capacidade de refletir sobre sua própria aprendizagem, resultando em pessoas que se sentem aptas a colaborar umas com as outras.

Em um mundo marcado por desigualdades, entre elas, os gargalos de acesso às ferramentas digitais, a minha pesquisa demonstra que a experiência que descrevi pode ser realizada com recursos de baixo custo disponíveis na Web, os quais podem abrir novas oportunidades de crescimento, expansão crítica e conhecimento aos estudantes.